quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Nessa luta

E não nos deixe entrar em tentação, mas livra-nos do mal.  Mt 6.13

Houve uma rebelião no Universo.

Um anjo se rebelou e, por meio de sedução, arrastou-nos consigo para a rebelião.

Nós somos os que voltaram da rebelião.

Graças ao Filho e ao Espírito, rompemos com o rebelde, e fomos perdoados e recebidos pelo Pai.

O rebelde, a toda hora, tenta nos levar de volta para a rebelião.

Não temos, em nós, forças para resistir; mas temos graça para decidir não ir.

Nessa decisão rogamos pela força do Pai.

E o Pai nos atende, e o maligno fica sem espaço em nós para a sua rebelião.

O Cristo disse que o maligno nada tinha em si.

Pela força do Pai, nós, também, somos tornados gente em quem o mal não tem espaço.

É uma luta diária!
©ariovaldoramos

(extraído do Ariovaldo Ramos, Blog)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A contradição entre a tatuagem e o Evangelho


Antes que os defensores das peles coloridas venham cheios de pedras na mão, gostaria de salientar que esse texto não tem como objetivo levantar pontos históricos, sociais, psicológicos ou até mesmo doutrinários com relação à tatuagem. Tem como base o caráter estático da figura impressa na pele do ser humano e como essa fixidez se difere do Evangelho de Jesus.

Pois bem, dadas as explicações, coloco em questão a sinceridade de uma pessoa quando resolve aplicar uma tatuagem em sua pele. Pode ter um sentido sentimental, estético, rebelde, protestante (não, não estou falando do sentido religioso), enfim, muitas podem ser as razões para realizar tal façanha.

Mas e depois? Digo depois não no que se refere ao fim da aplicação, não no que se refere ao dia seguinte, muito menos sobre um mês depois. O que me refiro é que aquele seu pedaço de pele coberto nunca mais voltará a ser uma pele desnuda, por mais que a tatuagem perca o seu brilho, ela sempre estará lá, naquele lugar sem te dar a opção de dizer: hoje não, ou não te quero mais.

Não é como trocar de roupas ou mudar o corte de cabelo e é isso que eu mais estranho no que tange a nossa sociedade pós-moderna, inconstante, indecisa e imprecisa. Como algo tão fixo, tão sem opção foi entrar no gosto popular dos nossos tempos? Vá lá, comparar a tatuagem a um quadro, uma pintura, pode ser um exercício um tanto quanto arguto, pois em um quadro você tem a oportunidade de olhá-lo em detalhes e com calma, com reflexão. Já a tatuagem não tem esse caráter de obra de arte (a não ser que você leve alguém para a cama e fique usando o seu tempo com essa pessoa para olhar a tatuagem com olhares críticos sobre a arte, mas acho difícil isso acontecer).

Com o passar do tempo, ao se cansar da sua pele cheia de tinta, só lhe resta fazer um remendo, costurando um novo desenho em cima do velho, ou simplesmente ignorá-lo. É o custo da fixidez.

Mas e o Evangelho? O que tem a ver com tudo isso?

Esse paralelo entre a tatuagem e o Evangelho é que, quando temos um enconto com Jesus somos rasgados de cima a baixo para enxergarmos o nosso verdadeiro Eu. Como a mulher samaritana que largou o jarro de água que carregava para contar aos outros sobre o Messias, assim somos nós diante da Boa Nova. Nada do que foi está grudado em nós. A relação do Evangelho com o ser humano é de que somos novas criaturas, as coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo!

E o mais interessante disso é que Jesus, aquele que respeita o nosso momento, gera novas coisas a medida em que deixamos as antigas, não de maneira impositiva, mas em liberdade. Sabe que temos um histórico de vida e que carregamos diversos "tiques" do nosso velho ser, mas que são moldados a partir do momento que deixamos o Senhor nos mudar. É como se a velha tatuagem fosse sumindo aos poucos até desaparecer, até ficar tudo "limpo".

A tatuagem pode ser encarada como a "síndrome de Gabriela" (eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim...), já o Evangelho é "ser um novo ser a cada dia". A tatuagem é dureza, o Evangelho é arrependimento, ou seja, maleabilidade. O ser que é tocado pelo Evangelho é mutante, aberto a mudanças, não-estagnado, livre de si mesmo, ou seja, não existe imobilidade.

Não estou aqui para criticar os adeptos desse tipo de arte (sim, realmente é uma arte), mas para elucidar a diferença entre a vida mórfica e a vida amórfica.

Viva a Boa Nova!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sobre separação, família e casamento

Esse post era um comentário que eu tinha deixado em outro blog, mas resolvi publicar por aqui também, com pequenas alterações para melhor compreensão dos que leem sem se preocupar com a referência do tal blog.

Meus pais se separaram quando eu tinha 12 anos. Não quero questionar os motivos da separação, mas o fato é que toda a separação carrega consigo feridas na alma. Na alma dos pais e dos filhos em diferentes aspectos. Na época, meu pai era muito ausente, mesmo morando conosco. Nunca foi de sair comigo e com meu irmão, passar uma tarde de sábado juntos, nos levar a parques, não tinha disso. Depois da separação, tínhamos encontros aos domingos e sempre cheio de amarguras e ressentimentos com relação à separação, à minha mãe, chegava a ser quase insuportável! Foi duro construir uma imagem de pai.

Minha mãe sempre nos levou à igreja e na adolescência fui muito confrontado com a Palavra, com as grandes dificuldades de encarar Deus como Pai e pensar no meu futuro com relação a família e se eu ia acabar nas dificuldades que meus pais passaram. Definitivamente eu não queria isso, tanto que passei grande parte da adolescência numa espécie de reclusão, com muita timidez, sem buscar nenhum tipo de relacionamento.

Entretanto, uma das coisas que Deus foi me ensinando é que Ele nos amou, sendo nós cheios de defeitos e suscetíveis a todo o tipo de pecado, sendo que se Deus esperasse algo de nós já teria nos consumido faz tempo, porque a gente só pisa na bola... Mas Ele nos ama, Ele é AMOR. E essa é a lição para as nossas vidas.

Em 2002, conheci a mulher da minha vida e meu coração bateu mais forte (clichê, eu sei, mas não tinham outras palavras). E, pasmém, ela era uma menina que cresceu comigo na igreja, tocávamos juntos no louvor, saíamos em turma juntos... mas demorou anos para que eu percebesse que era ELA quem Deus me dera para amar! E aqui eu entro num ponto crucial para que eu entendesse o que significa o casamento: ele não foi feito para a minha felicidade. Percebe? Não disse que era ela que me faria feliz, pois aí está a armadilha do medo e da inconsistência humana: de que casamos para que o outro nos faça feliz. Não! Nos casamos para fazer o outro feliz, simplesmente, por amor!

No ano seguinte do meu namoro, venci meus medos e passados e resolvi casar. Hoje já estou casado há 7 anos, com dois lindos filhos, sabendo que o que tenho a oferecer a eles é amor.

Não sei o como estará meu casamento daqui a 5 ou 20 anos, nem que futuro aguarda os meus filhos, mas tenho em mente em dar o máximo de mim para eles e não esperar um mínimo deles para mim. Sem barganhas, assim como Deus é conosco.

Por fim, queria salientar que todo o amor gera perdão e todo o perdão vem do amor, amor-Pai, amor que nos amou primeiro. E foi assim que Deus trabalhou em minha vida para que, dentro do meu interior, não houvesse nenhum sentimento negativo com relação ao meu pai ou à minha mãe devido à separação. Mas isso é uma consciência que adquirimos conforme nos achegamos ao Pai, Paizinho, Pai querido.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Agosto

Agosto nunca mais será o mesmo

Lembro de quando moço, sem esperar muito no esforço
Na igreja reunida, mas sem ver a parte querida
Que se aguardava com esperança
Mas o abraço foi para a vivência

Agosto não era tão feliz assim

Quando o tempo passa, ele ajunta ou separa
Com dedicação das partes
A história é recontada
Mas parece que não seria assim...

Agosto já não tinha tanta importância

Passa-se os anos e é como se não tivesse
Novamente a vivência fez-se de agosto
Agradeço a Deus como quem não merece
Que prepara o despertar de um sono

Agosto é outro significado

Ao me tornar agosto, agosto mudou
Da generosidade de um mero momento
O coração se abriu para o que era dor
E com a aproximação veio o contentamento

Agosto não podia ser mais o mesmo

No limite foi submetido ao extremo
Rupturas de um mundo sem sentido
Sem a fumaça que encobria o remendo
Foi o Cristo abrindo o caminho

Agosto não será mais o mesmo

A distância que existia foi deixada
Mesmo antes do olhar comovente
O reencontro de agosto com a ninhada
Sim, foi o melhor presente

Agosto nunca mais será o mesmo

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Stephen Hawking e a batalha dos deuses

Em uma matéria publicada pela Folha de S. Paulo (aqui), o físico Stephen Hawking argumenta que por causa de leis como a da gravidade, o universo não precisaria de "Deus para acender o pavio e colocar o Universo em marcha". Essa é a sua opinião que foi mudada em relação ao seu Best-Seller científico anterior "História do Tempo", onde declara que não existia incompatibilidade entre a noção de Deus como criador e uma compreensão científica do Universo. E no próximo livro pode vir outra noção, abrindo margem à existência de um Criador. E depois muda de novo. E de novo. E de novo...

É assim o método científico, ao menos aquele método que podemos chamar de honesto. Pois assim como na política, os partidários colocam em xeque uma convicção pessoal em prol de uma causa dita maior, o cientista que nutre os seus esforços para afirmar uma idéia sem abrir margem para uma segunda ou terceira hipótese não é digno de seu esforço. Ele se amarra em seus próprios argumentos e se infla dele, sem ter a condição benéfica de dizer: eu estava errado.

A minha opinião, como se sabe, é contrária a do distinto cientista e, no meu caso, não me atenho a gerar especulação sobre o tema abordado simplesmente porque a minha existência e a minha vida não se baseiam no cientificismo, ao qual adimiro e assumo a sua importância. A mim cabe a leveza de apenas crer. Não apenas no sentido da criação, mas também na dispensação de algo maior, que relaciona toda essa criação ao amor pela própria criação e por esses seres tão ambivalentes que somos nós humanos.

Sim, ambivalentes para que pudéssemos ter a opção de crer e amar, ou não crer, se é que é possível não ter crenças na vida, e assim querer com tudo isso ser como um deus. Ou centralizamos em nós mesmos, ou damos vazão à nossa condição de que somos limitados e esse limite faz com que precisemos olhar para a criação com o desejo de se aproximar do ilimitado, do atemporal, do que nada sabe sobre essa necessidade humana de dizer "no princípio...".

Além disso, a minha condição de apenas crer faz com que eu olhe para quando eu não cria e porquê eu não cria e como isso mudava todos os meus parâmetros de pensamento e que, na verdade, embora eu não tivesse a dimensão exata do que significasse ter fé, mesmo que dentro de mim existisse uma grita evolutiva de olhar a vida com a perspectiva de Deus, uma força motriz teve que ser crepitada na figura do Elo da fé, a saber, Jesus Cristo. Sim, porque a declaração máxima é que Jesus, o homem eterno e ilimitado, veio viver com as condições de qualquer um de nós, nos nossos "limites" para que assim existisse na minha vida o Elo com o Deus que eu sabia que estava em algum lugar no tempo-espaço. Um Deus que ama e que por meio do Seu Filho cometeu um ato insano (cabe na sua mente?) de se sacrificar por seres que ainda discutem e estarão sempre nessa ambivalência sobre se Ele é ou não O Criador do Universo. O Filho teve (tem e terá) a função reconciliadora e isso antes mesmo da criação do mundo!

Você consegue mergulhar nessa loucura que eu descrevi ou prefere a luta dos deuses?

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Títulos para o ego


Estou farto de títulos.

Fui criado no meio evangélico e, como bagagem dessa origem, acostumei-me em ouvir no meio da igreja sobre Pastores, Evangelistas, Apóstolos, Profetas, Diáconos, Presbíteros, Reverendos, Bispos, etc.

Isso era tão comum a mim que eu me perguntava: será que um dia ganharei uma dessas titularidades? Porque quero servir a Deus, mas pra isso, preciso ganhar o título! Balela...

Na verdade, essa história de dar títulos serve apenas para inflar egos e forjar uma superioridade com quem devemos chamar apenas de irmãos.

Não estou questionando os dons, pois eles são dados pelo Espírito, como tanto enfatiza o apóstolo Paulo. Sim, Paulo, apóstolo, que usava o termo em suas cartas, não como alguém que precisasse afirmar a sua posição com relação à Igreja, mas para afirmar para si mesmo a sua missão perante Deus, pois o seu chamado aos da incircuncisão era árduo e somente com uma convicção gerada no Espírito, Paulo poderia afirmar que ele estava sendo enviado por Deus (gr = apostolos), assim como os demais apóstolos (enviados), que usavam o termo mais como uma resposta ao Ide de Jesus (Mt. 21.19).

Portanto, não vejo propósito nem quando vejo discussões por aí se nos dias de hoje ainda devemos usar o termo apóstolo, quanto mais de dar a este nome um valor superior aos demais como se fosse a ponta da hierarquia eclesiástica. Aliás, hierarquia na igreja já é uma aberração por si só, pois nada tem de cristão, onde todos tem tudo em comum e cuidam da necessidade uns dos outros. Ou melhor, temos uma hierarquia sim, formado pela igreja e, acima dela, a Trindade.

Quanto aos demais títulos (pastores, apóstolos, mestres, doutores, profetas...), na verdade são dons dados por Deus, que se manifestam segundo a vontade do Espírito e que servem para a edificação do Corpo de Cristo até que todos cheguemos à unidade da fé. Ou seja, serve para um período de aperfeiçoamento para que todos sejam UM em Cristo, para que tornemo-nos irmãos, sem degraus, em Cristo.

Por isso que devemos entender como as coisas funcionam no Reino de Deus: "O maior dentre vós será vosso servo. E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado." Mt. 23.11-12

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A preciosa dádiva de se ter filhos

Pode parecer uma defesa um tanto quanto judaica, ou prosaica, ou simplesmente um sentimento fora de nosso tempo essa história de se desejar querer tanto filhos. Afinal, vivemos em uma época onde jovens passam pela sua tenra idade, caminham os seus vinte e poucos anos como pintos debaixo das asas de suas mães-galinhas, ciscam a uma certa distância, mas retornam medrosos à vista de uma sombra suspeita. Chegam aos trinta com desejos tão juvenis que se colocássemos uma chupeta em suas bocas não notaríamos a diferença. O medo de se envolver em sentimentos tão estreitos com alguém do sexo oposto mostra que esta geração não sabe lidar com diferenças e aprender a crescer com elas. Quanto mais levantar a hipótese desse ser humano(?) gerar outro ser humano ao qual se dedicará com todo o empenho para torná-lo um adulto amado, seguro, completo de humanidade.

Pois hoje eu recebi da minha filha uma demonstração de todo o esforço dedicado por mim e por minha esposa ao nos abrirmos inteiramente à dádiva de se ter filhos. Voltando do pediatra das crianças, deixei minha esposa e meus dois filhos na entrada do prédio e ao me despedir a mais velha vem, me dá um forte abraço e diz "tchau papai, te amo!".

Isso já valeu o meu dia. Isso já valeu a minha vida.

Mesmo que coisas contrárias ou negativas venham acontecer sobre a minha vida ou até sobre a vida dos meus filhos, eu me lembrarei do que aconteceu hoje. É assim que eu imagino que seja o sentimento de Deus para conosco. Ele sempre nos amou, sempre nos amará, mas o dia em que chegamos para Ele e dizemos te amo com a sinceridade de uma criança, o coração do Pai se enche de alegria! Quando leio sobre arrependimento no Evangelho, o sentimento que tenho é exatamente esse que arrempender-se significa voltarmos para Deus e simplesmente reconhecer que nós o amamos e que, para retribuir todo esse amor, só com um forte abraço, nada mais.

Não consegue abraçar a Deus? É tão simples... abrace os seus filhos e você sentirá o que é abraçar Deus.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Rompendo a redoma da igreja

Mas os que andavam dispersos iam por toda a parte anunciando a palavra.” Atos 8:4

Um organismo precisa respirar para continuar vivo. A respiração é um movimento de mão dupla. Inspiramos e aspiramos. O ar entra por nossas narinas, atravessa nossa traquéia, e enche nossos pulmões, para depois ser devolvido à atmosfera.

Tente manter o ar preso em seus pulmões por alguns segundos. Você vai ficando vermelho, seus olhos começam a lacrimejar, até que você não agüenta mais e solta o ar.

Não é simplesmente do ar que necessitamos, mas da entrada e saída ininterrupta deste ar. Sem ar pra respirar, morremos. E prendendo o mesmo ar dentro de nós, também morremos.

A igreja de Cristo é um organismo vivo que também necessita respirar.

Em Seu discurso de despedida, Jesus garantiu aos Seus discípulos que lhes enviaria o Espírito Santo a fim de fossem capacitados sobrenaturalmente a dar testemunho do Evangelho:

“Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (At.1:8).

A palavra traduzida neste texto por ‘poder’ é dinamus, que dá origem a alguns vocábulos em português, como dinamismodinâmica e até dinamite. Dinamus significa poder em movimento.

O Espírito Santo não apenas capacitaria os discípulos a testemunhar, como também os levaria a lugares e circunstâncias jamais imaginadas por eles, para que cumprissem a sua missão.

O mesmo Espírito que nos atrai a Cristo, nos transforma, também nos envia ao mundo.

Narrando sua experiência de conversão perante o rei Agripa, Paulo diz que Jesus se lhe apareceu, dizendo: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Agora levanta-te e põe-te em pé. Eu te apareci por isto, para te fazer ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda. Eu te livrarei deste povo, e dos gentios, a quem agora te envio, para lhes abrir os olhos, e das trevas os converter à luz...” (At.26:15b-18a).

Observe que a comissão de Paulo se deu no exato momento de sua conversão.

O dinamus do Espírito exerce na igreja uma força centrípeta e centrífuga. Ele atrai, transforma e imediatamente envia.

Não há intervalo! Todos os que são chamados, são também enviados.

Quando o endemoninhado gadareno se viu livre de sua possessão, quis deixar tudo para seguir a Jesus, mas recebeu d’Ele outra ordem: “Volta para casa e conta quão grandes coisas Deus fez por ti” (Lc.8:39a).

No reino de Deus tudo é muito prático. Porém, quando a igreja se institucionalizou, tratou de burocratizar o que antes era promovido pela dinâmica do Espírito.

Quanto tempo de preparo precisou a mulher samaritana para atrair toda uma cidade a Cristo? Foi só o tempo de deixar seu cântaro, ir à cidade e anunciar ao seu povo: “Vinde, vede um homem que me disse tudo o que tenho feito. Poderia ser este o Cristo?” (Jo.4:29). Mesmo sabendo que Jesus era o Cristo, ela preferiu instigar aquele povo à curiosidade. Em vez de apresentar uma contundente resposta, ela instigou-os a questionar.

E aqui nos deparamos com uma importante questão: será que para testemunhar do amor de Cristo temos que esperar até que todas as nossas questões sejam respondidas?

Precisamos desburocratizar e dinamizar o processo de evangelização com urgência.

Ninguém necessita de um mestrado em teologia para anunciar aos seus amigos e familiares quão grandes coisas fez o Senhor em sua vida.

Não temos o direito de impedir o trânsito pelas portas do reino de Deus. Muitos agem como os fariseus e religiosos contemporâneos de Jesus, que se punham à porta, não entravam e não deixavam ninguém entrar. E quando alguém demonstra desejo de sair testemunhando do amor de Deus, tratam de jogar-lhe um balde de água fria.

A estes, diz o Senhor: “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Fechais o reino dos céus aos homens. Vós mesmos não entrais, nem deixais entrar aos que estão entrando” (Mt.23:13).

Temos que manter o trânsito livre, e para isso, o caminho tem que está desobstruído.

Veja o que Jesus disse sobre isso:

“Eu sou a porta. Todo aquele que entrar por mim, salvar-se-á. Entrará e sairá, e achará pastagens” (Jo.10:9).

Há um detalhe neste verso que tem passado despercebido. O caminho para o Reino é uma via de mão dupla. Quem entra, tem que sair. E o mais surpreendente é que só depois de sair que se acha pastagens.

As pastagens não estão do lado de dentro da cidade, mas lá fora, entre os vales e montanhas da realidade social e cultural na qual peregrinamos.

Muitos acham que vão encontrar tais pastagens do lado de dentro da igreja. Por isso, entram, e não querem mais sair. Ficam viciados em igreja.

Assim como ar que respiramos tem que ser devolvido à atmosfera, temos que devolver ao mundo as pessoas que entram na igreja. Por favor, não se escandalize ainda. Continue sua leitura, e veja se o que digo não faz sentido.

Qualquer espiritualidade que não nos devolva à realidade é maléfica e alucinógena.

Se não concorda comigo, tente concordar com Cristo, que em Sua prece sacerdotal, rogou ao Pai:

“Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal. Eles não são do mundo, como eu do mundo não sou. Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (Jo.17:15-18).

Não se trata de uma questão facultativa. Fomos chamados, santificados e enviados ao mundo. Os pés formosos de que diz a Escritura, são os que estão enlameados pelo chão da vida.

Cuidado pra não confundir santificação com alienação.

A igreja não pode ser uma redoma para os seus membros. Ela tem que ser um liquidificador. Experimente colocar várias frutas em seu liquidificador. Ao ligá-lo, elas serão processadas e se tornarão numa deliciosa vitamina. A hélice do eletrodoméstico exerce a força centrípeta e centrífuga. Ela atrai as frutas para si, processando-as ao mesmo tempo em que as empurra para fora. É isso que o Espírito Santo almeja fazer na igreja.

O mesmo Cristo que diz ‘vinde’, também diz ‘ide’. E não há intervalo. A gente já vem indo, e já vai vindo.

Em vez de despendermos energia e dinheiro numa mirabolante estratégia de evangelismo (ou seria de marketing?), que tal abrir a porteira do aprisco, permitindo que as pessoas transitem normalmente pelo mundo, testemunhando o que Deus fizera em suas vidas? Haveria estratégia melhor e mais eficiente do que esta?

Elas não precisam esperar por um "ide" personalizado, vindo direto dos lábios de Cristo para elas. Não!

A bem da verdade, todos que viemos a Ele, já fomos liberados por Ele para ir. Já estamos no Caminho, indo e vindo no constante fluxo e refluxo da vida.

No texto original, Jesus não disse "ide", num tom imperativo, mas disse "indo", numa espécie de gerúndio existencial. O texto diz: "Indo por todo mundo, pregai o evangelho...". Queiramos ou não, já estamos na chuva, e quem está na chuva é pra se molhar.

vinde é personalizado, mas o ide (ou indo) é generalizado.

Alguém poderá perguntar: E quanto aos riscos? Como enviar ao mundo pessoas despreparadas para testemunhar? Não seria melhor segurá-las o máximo de tempo possível, até que se vejam prontas?

Concordo. O risco não pode ser ignorado. Porém, vale a pena corrê-lo.

Jesus não ignorou os riscos ao enviar Seus discípulos ao mundo. Confira o que Ele diz:
“Ide. Eu vos envio como cordeiros ao meio de lobos” (Lc.10:3).

Neste texto em particular, o ide foi imperativo.

O que atenua os riscos é o fato de que o pastor das ovelhas vai à frente do seu rebanho.


“Mas aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as leva para fora. Quando tira para fora todas as ovelhas que lhe pertencem, vai adiante delas, e elas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas de modo nenhum seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não reconhecem a voz dos estranhos” (Jo. 10:2-5).

Será lá fora, no mundão, que as ovelhas de Jesus terão suas maiores experiências com Ele. O mundo será o cenário por onde Ele as conduzirá aos pastos verdejantes, às águas tranqüilas. E mesmo quando passarem pelo vale da sombra da morte, não terão o que temer, pois Seu cajado e Sua vara as protegerão.

O que a igreja deveria fazer é procurar levar as pessoas a uma intimidade tal com o Bom Pastor, que elas jamais confundam Sua voz com a voz do estranho. Em outras palavras, temos que aprender a discernir a voz de Deus no mundo. Seja no ambiente profissional, acadêmico, familiar, ou mesmo nos corredores do poder político, será a Sua voz que guiará a nossa consciência, e, por conseguinte, as nossas atitudes.

Portanto, já está na hora de liberarmos as ovelhas do Senhor para que cumpram sua missão de transformação do mundo.

Abramos a porteira, e deixemos o trânsito livre, pra que entrem e saiam, e assim, encontrem pastagem para as suas almas.

Não há motivo pra insegurança. Quem de fato é do Senhor, jamais abandonará seu redil.

(Texto publicado no blog de Hermes C. Fernandes)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Drive-thru contra urucubaca


Como já deve ser de conhecimento do muitos, a Igreja Universal do Reino de Deus criou há alguns meses o "Drive-thru de Oração" (veja matéria aqui). Escapando de métodos ortodoxos, o tal do drive-trhu tem tido boa aceitação dos transeuntes que circulam na região da Vila Mariana, em São Paulo, onde se localiza o templo da Universal com a tal da iniciativa.

O que realmente me chamou a atenção foi a placa indicada no lado da tenda por onde passam os carros e se realizam as orações. Ela diz "RECEBA A UNÇÃO DE PROTEÇÃO CONTRA O MAL DO MÊS DE AGOSTO".

Ora, é notório nas práticas da Universal a necessidade de que os fiéis passem por lá com a maior frequência possível, para que, assim, os líderes da igreja sejam os detentores da bênção, do movimento de Deus sobre a vida dos que ali passam para que assim possam usar o povo da forma que bem entendem. Abre parênteses. Digo "passam", porque não congregam, não se tem uma comunhão, um compartilhar entre eles, é apenas um momento que você passa, recebe a "bênção" e vai embora. Realmente, não existe lugar mais propício para uma ação de drive-thru do que a Universal. Fecha parênteses.

Esse tipo de frase reflete o tipo de manipulação que existe sobre o povo, pois a "boacumba gospel" tem momento de começar e acabar. E é bem rapidinho, um mês só, aí precisa de uma renovação, senão "cuidado com a Cuca que a Cuca te pega!". Esse é o nível de entendimento do que é ter uma vida religiosa na nossa sociedade, mas não é assim que Jesus nos ensina. E, pode ter certeza, que entre derivados de cristianismo e o próprio Cristo, eu fico com o Mestre.

Primeiro, Jesus curava aos borbotões sem ao menos se preocupar se o curado o seguiria ou não. Pelo contrário, depois que sua fama se espalhou pela Galiléia, quando muitos se reuniam em volta dele, ele anunciava o Reino de Deus e suas implicações (leia o chamado Sermão da Montanha - Mateus 5 a 7). Ou até mesmo impedia que fosse seguido, como foi o caso do gadareno que queria ir com ele, mas após Jesus expulsar-lhe uma legião de demônios, mandou o homem voltar pra casa para testemunhar aquilo que havia acontecido com ele (Lucas 8.38-39).

E, apesar de Jesus nos dizer que devemos (nós mesmos, sem a necessidade de alguém fazer por nós) pedir a Deus que nos livre do mal, ele também reconhece que o mal acontecerá no nosso dia a dia e que nesse mundo teremos aflições. Ou seja, não precisamos nos preocupar com o mal do mês de agosto, nem com o mal de amanhã devemos nos preocupar!

O que Jesus nos assegura é que devemos sempre buscar o Seu Reino e a sua justiça e também que apesar do mal, da tribulação e dos problemas que temos ou teremos, a nossa esperança está no Deus que venceu a morte e venceu o mundo! Conseguiremos "passar" pelo mal, não no drive-thru, mas pela força do Deus que opera em cada um de nós! (Mt. 6.33-34 e Jo. 16.33)

Outro detalhe é que o termo unção recebeu ares de um passe, uma mandinga. "Unção de proteção". Corpo fechado. Parece que estamos em outras praias, não? Começo a entender porque se chama Universal, pois esse sincretismo usado por essa igreja vem de todas as fontes religiosas do mundo! E Jesus, será que andava com um óleo ungido por aí querendo "proteger" os seus discípulos do mal agouro? Não o Jesus do Evangelho! Não o filho de Deus!

Voltemos às escrituras. Voltemos para o Reino de Deus, que nada se assemelha a este pregado pela Universal.

PS.: Sei que Deus pode alcançar a quem Ele bem quer. Sei que terei irmãos que conheceram a Jesus em qualquer igreja-instituição e também fora dela. Mas isso não nos exime de sermos indiferentes à práticas nada relacionadas a Cristo, usando apenas o Seu nome como bem entendam sem que haja denúncia. O meu objetivo é de mostrar quem realmente é Jesus, aquele que liberta, que salva e que nos faz achar pastagem quando ouvimos a Sua voz.

Em verdade, em verdade vos digo: o que não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, esse é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas. Para este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as conduz para fora. Depois de fazer sair todas as que lhe pertencem, vai adiante delas, e elas o seguem, porque lhe reconhecem a voz; mas de modo nenhum seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos. Jo. 10.1-5

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Rei da Glória

Ouço músicas na igreja desde pequeno e gostava de uma em relação à outra geralmente pela musicalidade, não reparava muito nas letras, se eram rasas ou profundas ou até heréticas.

Mas aí eu cresci e, conforme eu fui me expondo ao evangelho, a coisa mudou de figura e muitas das músicas que me agradavam já não faziam o menor sentido e outras começaram a me tocar pela sua profundidade no evangelho. Aliás, poucas músicas que ouvimos nas igrejas cantam o evangelho de Jesus no que diz respeito à sua obra redentora e à mudança que nos é gerada. Aliás, os antigos hinos do hinário evangélico ou da harpa cristã são muito mais profundos e ricos em evangelho, mas foram deixados de lado pelas suas melodias consideradas ultrapassadas.

Mas o que eu quero deixar é uma das músicas que mais tocam o meu coração, pela poesia e clareza em seus dizeres: "O Rei da Glória", do Guilherme Kerr e do Jorge Camargo. Leiam a letra e confirem. E que fique registrado que é essa música que eu quero que ouçam até no meu velório, se eu tiver um.

O Rei da Glória

O Rei da glória, o Rei dos Reis
Senhor dos Senhores, soberano Deus
É Jesus, é Jesus, é Jesus
Desceu da glória e homem se fez
Varão de dores, servo sofredor
Padeceu sim Jesus padeceu.

Sim Cristo entregou sua vida
De forma espontânea Ele a deu
Ninguém poderia obrigá-lo
Foi seu próprio amor que o moveu.

Por isso reina, acima do céus
E tem o nome capaz de nos salvar
Só Jesus, só Jesus, só Jesus

Virá em breve o Rei dos Reis
Vestido em glória com todo
Seu poder, voltará sim Jesus
Voltará.


segunda-feira, 19 de julho de 2010

Qual é o meu lugar no texto



Por Marcos Botelho

Passamos tanto tempo aprendendo como podemos nos aprofundar no texto bíblico, estudamos as línguas originais, grego e hebraico, aprendemos a fazer exegese, compramos livros de chaves bíblicas, interlineares, lexos, analíticos e compêndios de teologia sistematizada.

Isso é muito importante, mas tão importante quanto, é sabermos voltar para a superfície. Voltar para o aqui e agora com o texto, com o que aprendemos na essência da mensagem.

E se errarmos nesse caminho de volta, não adiantou nada o quão profundo formos na revelação de Deus, se tornará inútil se não conseguirmos trazer a tona o sentido do texto para o dia de hoje, para o nosso coração.

Uma das coisas que já fazemos automaticamente e, por isso erramos muitas vezes, é o paralelo nosso com os personagens do texto.

Sempre nos colocamos em uns personagens bíblicos sem pensar que podemos ser o outro, deixando de entender a mensagem de Deus para a gente.

Costumo me colocar sempre no lugar dos discípulos de Jesus, mas tenho percebido que me aproximo do mestre muito mais como um fariseu ou um mestre da lei.

Tenho visto que o fato de ter estudado teologia, de ser de igreja desde criança, me aproximo da religião, das pregações e até da bíblia como uma pessoa que conhece do assunto, como alguém que sabe o que quer ouvir e, isso tem muito mais paralelo com os fariseus do que com os discípulos ou publicanos.

Estou começando a reler os evangelhos com uma nova ótica, onde eu sempre apareço no texto no lugar dos fariseus.

O texto é o mesmo, mas é tudo novo para mim. Não é o mesmo texto que tenho lido desde criança, é algo novo. Não tenho conhecido um outro Jesus, mas tenho me deparado com um outro Marcos Botelho.

Em cada interferência arrogante dos religiosos vejo uma parte de mim, cada palavra mais ríspida de Jesus aos fariseus, eu sinto diretamente para mim, essa visão faz cada passo das minhas articulações metodológicas e religiosas armarem para colocar o Jesus do texto em um só lugar, na cruz.

Tão importante quanto entender o texto é saber qual o nosso lugar no texto, isso vai trazer uma nova revelação da palavra, quem sabe você vai se surpreender gritando no fundo do seu eu: crucifica-o, crucifica-o, crucifica-o!

(Texto extraído do blog de Marcos Botelho)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Despertar

Vejo magro, frio, estático
Sem um cálamo que brota do interior
Apenas cego, apenas torpor

Amparado na aparância para quem não se quer essência
Mendigado no labor para não se confrontar em nada
Homem cego, homem torpor

Sem vislumbre do eterno
Homem cego, homem nú
Com amplitude do ego
Sem levar a tua cruz

Mais de tudo, mais de nada
Geração estampada
Sem ardil, só pavil
Sem amor, apenas torpor
Apenas torpor

Insensatez à revelia contra os sinais que aqui propicia
Ódio, ódio, mente fria
Sem mudança antes que seja tarde

Voltemos à Esperança
Ao vencedor a pedra branca
À mente equilibrada que se lança sem partido
Que estende ao homem cego a mão do Único Caminho

Voltemos à Criação
Sem receio da bofetada
Ao cuidado na contra-mão
Dos que esnobam a alvorada

Amparado na essência da luz de quem quer sentença
Advogado junto ao filho, não quer que nenhum se perca
Homem volte ao seu juizo, antes que chegue o dia


terça-feira, 29 de junho de 2010

Por quê eu desisti de servir os pobres


Quem me conhece e sabe de toda minha trajetória de vida deve achar no mínimo curioso o título acima. Minha família tem como referência central as figuras de meu avô e minha avó paternos que foram fundadores do Exército da Salvação no Brasil. Vidas dedicadas a mendigos, prostitutas, e de maneira especial aos orfãos, enfermos e renegados. Minha paixão adolescente se viu conquistada por lutas contra a pobreza, a fome e a injustiça e desde quando me casei, há 25 anos atrás, estive envolvido com servir em favelas, a estudantes pobres, populações carentes, mendigos, bairros periféricos, desempregados e pessoas sem renda. Tenho no currículo o fato de ter ajudado a gerar renda, facilitar a organização de famílias, feito pontes entre ricos e pobres, alimentado pessoas e dado a oportunidade de que outros descobrissem profissões, estudassem e transformassem seu futuro. “Empoderar” as pessoas, foi um dia um dos pontos chave de minha prática de não criar dependência. Depois de tudo isso, sou chamado a questionar toda a vida e a desistir de servir aos pobres.

Ao longo da vida guardo o hábito de sempre perguntar se o que estou fazendo tem sentido, se diante de meu Senhor e Deus estou com meu coração alinhado à Sua vontade, se não estou errando o alvo. Sigo com disciplina a regra dos três “por quês”, que pergunta a cada resposta dada o tipo de pergunta que só as crianças sabem fazer e que me auxilia a gerar um vetor de mudança permanente, de auto-crítica e de realinhamentos pessoais. Assim, a cada etapa, ao fazer cada coisa pergunto: Por quê? E qualquer que seja a resposta, a ela de novo pergunto: Por quê? Me sinto no caminho quando aquilo que faço ultrapassar o terceiro por quê, e daí sigo adiante.

Já faz algum tempo me pus a refletir sobre a vida de Jesus, sobre o princípio da Kenosis, ou esvaziamento, baseado no texto de Filipenses 2:1-11, sobre a encarnação de Jesus na realidade e sobre os inúmeros contatos e conversas dele com gente tão miserável como os leprosos e tão ricas como publicanos, chefes de sinagoga e príncipes de seu povo; com famílias da classe média, com proprietários e com servos e mendigos. Sobre o que ele via e como agia. E tudo isso foi crescendo e me fazendo pensar no texto de Mateus 5, de ele dizer aos pobres que mantivessem suas vidas no caminho e animados por serem pobres, por que deles era a possibilidade de terem a vida dirigida e controlada por Deus e perceberem Sua boa e perfeita vontade.

Devagar, nos últimos anos, além da reflexão bíblica, tenho observado o quanto vários amigos extremamente sinceros vem e vão, se empolgam e começam a servir e logo se ocupam de volta com seus afazeres e preocupações. Vejo também com que freqüência alguns outros pagam para que alguém cumpra o serviço de Deus e fazem isso por tempos determinados e movidos da maior das sinceridades, ainda que de longe e sem envolvimento pessoal.

De uma outra perspectiva observo o quanto a pobreza se entranha na vida dos pobres, e quanto esta somente revela muitas vezes seu desejo mal sucedido de possuir, de ter acesso ao consumo destruidor de tudo, de como sua situação se constrói pela sedução das mesmas coisas que seduzem e destroem os ricos. O mesmo individualismo, o mesmo egoísmo, a mesma tendência a sentir-se confortável e identificado com a posse das coisas. E a adesão inegociável a um estilo de vida e modo de pensar que os prende ao mito da necessidade moderna, ao desejo mítico de evoluir e à submissão ao mito do desenvolvimento.

Igualmente a ricos, pobres e remediados, o mesmo convencimento de que o que precisam é de algo que o mercado, o dinheiro, o governo ou alguma agência pode lhes oferecer. Que serão felizes com a posse, com a pança cheia (uns com pão, outros com brioches) e com o fluir permanente do dinheiro que tudo pode e tudo resolve. E dentre estes, alguns bem intencionados estendem a mão para “incluir” outros no estilo de vida ou no patamar que alcançaram. À mão estendida de cima para baixo, chamamos serviço.

Descobri ao longo dos anos que a própria posição de servir aos pobres, de compromisso com a libertação, estava cheia de superioridade, daquele tipo de superioridade que se traduz por dar ao outro o que eu tenho, uma vez que sutilmente assumo com meus atos que o que eu tenho ou faço era o que ele deveria ter ou fazer, uma tradução percebida na sutil arrogância das tais políticas de “inclusão”, sempre buscando colocar o outro dentro da caixa onde vivo, incluído no meu estilo de vida.

Tudo isso foi me levando a desistir de servir os pobres. Ainda que nem de longe me alinhando com aqueles que a este ponto, do alto de sua riqueza, conforto e bem estar possam estar dizendo “ta vendo? É isso que eu sempre pensei.” Lamento informar a estes que nem de longe creio em seu estilo de vida separado do contato com o pobre, com o desvalido, o faminto, o nu, o feio, o mal cheiroso, o inculto e o bárbaro. Não me alinho com aqueles que pagam seus impostos ou contribuem para caridade dizendo assim estar cumprindo seu papel. Não é disso que falo. A estes continuo retransmitindo a mensagem de Jesus, confrontadora de seu estilo de vida cego, insensível e arrogante, uma mensagem que chama de loucura aquilo que estes chamam de segurança.

Desisti de servir os pobres por outra razão.

Desde 1993, quando saí para as ruas com um bando de meninos e meninas na direção das populações de rua, havia desenvolvido uma mística de, a cada saída nas noites frias de minha cidade, não ir encontrar mendigos, ou carentes. Sempre dizia aos garotos àquela época que eu nunca me disporia a servir pão a um mendigo, ou fazer-lhe a cama, ou vestir sua nudez. Nosso moto, naquele tempo, era “encontrando Jesus na pessoa do pobre mais pobre”. Servir, alimentar e vestir Jesus era nossa motivação, isso sim me animava. E descobrimos com aquelas saídas, que a cada encontro desse com um Jesus assim disfarçado, que os chamados miseráveis se transformavam em mestres, em denunciadores de nossa miséria pessoal, de desmascaradores de nossos mecanismos de manipulação e nos víamos, de repente, espelhados neles, usando as mesmas desculpas, mentiras e escaramuças para ter o que queríamos. Talvez com um pouco mais de sucesso, e certamente simplesmente com mais sorte social, e mecanismos de segurança. Mas descobrimos à época, que nós éramos eles.

Aqueles que se descobriram assim, se libertaram, cresceram e mudaram. Confrontados por Jesus e ensinados por ele no contato com suas próprias pobrezas e misérias, descobrimos, muitos de nós, o que eram boas novas. Naquele tempo, e daquele tempo, muitos fomos transformados pelo toque de Jesus e pela boa nova que ele nos tinha a transmitir como pobres que nos descobrimos.

No entanto, nem sempre esta mística foi mantida como chama acesa, voltei tantas vezes a servir aos pobres, a me deixar levar pela possibilidade de estar na posição de ajudador e fui me esquecendo muitas vezes de minha própria miséria.

Como disse acima, ficar longe dos pobres e julgar suas atitudes e descaminhos do alto do conforto de minha posição social superior não é a alternativa que exponho aqui. Ajudar os pobres, conscientiza-los e inclui-los se mostra um mito, mais um daqueles nascidos no desenvolvimentismo dos últimos 60 anos. A alternativa que apresento é outra, traduzida no encontro, no reconhecimento e na identificação.

Desisti de ajudar os pobres, de servi-los e de salva-los. E isso porque tenho re-descoberto uma verdade dura: a de que Jesus não tem nenhuma boa notícia para quem serve os pobres. Jesus não veio trazer boas notícias a quem serve os pobres, ele trouxe uma boa notícia aos pobres. Ele não tem nada a dizer a outros salvadores, a quem disputa com Ele o cargo de Messias, de Redentor. A agenda de Jesus só traz uma mensagem aos que se reconhecem pobres, nus, feridos, cansados, sobrecarregados, carentes e sem esperança. Aos demais, sua agenda tem pouco ou nada a oferecer

A única maneira de permanecer com os pobres é se descobrimos que somos nós mesmos os miseráveis, é se reconhecemos a nós mesmos, ainda que bem disfarçados, naquele que está diante de nossos olhos. Ao encontrarmos neles nossa miséria, ao nos dar-mos conta de nossa carência, da desesperada necessidade de sermos salvos, ai nos encontramos com a agenda de Jesus.

Deus não se apresenta em nossa capacidade de curar, mas em nossa necessidade de sermos curados. Descobrir esta nossa fraqueza nos coloca sem nada para oferecer, servir, doar, mas revela nossa necessidade de sermos amados, curados e restaurados.

Por ai é que faz sentido que o poder que existe em nós não é o poder de nossas capacidades e riqueza, mas o poder residente em nossa miséria pessoal, tão bem escondida e disfarçada em nossas posses e estabilidade. Como diz Jean Vanier em um livro que li recentemente: “Somos chamados a descobrir que Deus pode trazer paz, compaixão e amor através de nossas feridas”

Como passou a fazer sentido o texto que fala do Messias, e que diz: pelas suas pisaduras, fomos sarados. Os demais messias tendem a escapar do exemplo de Jesus de esvaziar-se a tal ponto de ser um de nós, de morrer conosco e de abrir assim a porta da ressurreição para nós.

O poder que Jesus usou para nos curar e continuar curando não reside em seu acesso ao poder universal, mas em sua identificação conosco na cruz. Em se abrir em chagas e feridas, em se tornar um de nós, em viver nossa vida.

Desisti de servir aos pobres. Estou voltando a encontrar os pobres e me encontrar neles. Voltei a descobrir a miséria que se esconde nas vidas bem montadas de nossa falsa segurança. E com isso posso entender o Jesus que fala com leprosos e com ricos homens de negócios, com cobradores de impostos em suas festas e com enfermos miseráveis. Em sua identificação com todos e cada um Ele via o que talvez mais ninguém via: a extrema miséria e pobreza da condição humana, independente de qualquer status ou roupagem social.

Passei a reencontrar minha pobreza, a me ver em cada situação de miséria, e de me colocar em contato com minhas dores internas. Dali clamar por cura, libertação, comunidade e amor. Pedir misericórdia e ser restaurado.

Quem serve, serve de cima, Jesus nos chama a encarnar a nos vermos no outro e a nos colocarmos por baixo. A deixar de confiar em nossa capacidade e mudar o rumo para irmos ao encontro de nossas feridas e dores. De lá descobrir o poder que existe em sermos menos e não mais.

Desisti de servir aos pobres. Voltei a descobrir minha pobreza. E com ela posso clamar: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim”

Claudio Oliver

(Extraído do site Solomon)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Desigrejados, uni-vos!

Jesus peitou o sistema religioso de Sua época, mesmo sabendo o alto preço que teria que pagar por Seu atrevimento.

Ele disse que faríamos obras ainda maiores. E por quê maiores? Quem somos nós para superarmos o nosso Mestre?

O fato é que, quando Jesus caminhou entre nós, o sistema religioso, por mais refinado que parecesse, ainda era rudimentar em comparação aos nossos dias.

Hoje, se quisermos seguir os passos de Cristo, teremos que peitar uma verdadeira indústria religiosa, onde as pessoas são vistas, ora comoprodutos, ora como clientes, e ora como engrenagens.

O que muitas vezes é chamado "discipulado", nada mais é do que a produção de seguidores em série, soldadinhos de chumbo, réplicas perfeitas de seus mentores.

Não foi isso que Jesus planejou quando recrutou Seus primeiros discípulos na Galiléia. Jamais foi Sua pretensão que a igreja se tornasse numa fábrica de lunáticos.

O discipulado autêntico é aquele que nos desafia a encarnar a mensagem de Cristo, tornando-nos agentes transformadores do Reino, inseridos numa sociedade corrompida. O verdadeiro discipulado é o que envia ovelhas para o meio dos lobos.

O mais importante não é encher a igreja, mas encher o Mundo com o conhecimento de Deus.

Enquanto quebramos maldições hereditárias, o abismo entre gerações se acentua, e assim, 'maldições existenciais' se perpetuam.

Buscamos cura interior, enquanto lá fora, há chagas sociais que precisam cicatrizar, hemorragias que ainda não foram estancadas.

Discutimos o sexo do anjos, enquanto pequenos anjos, abandonados nas ruas, são molestados diariamente por quem deveria protegê-los.

Reagimos violentamente contra leis que poderiam prejudicar a igreja, mas não nos importamos com leis que prejudicam os mais necessitados.

Mania de coar mosquitos e engolir camelos!

- Limpem bem seus pés quando entrarem no templo para não estragar o carpete novo.
Amém ou não amém? E não se esqueçam de se escrever em mais um congresso a ser realizado no hotel tal, por uma bagatela de 400 reais.

Tornamo-nos uma caricatura da igreja de Jesus.

Enquanto a sociedade se debruça sobre questões de primeira grandeza, voltamo-nos para nós mesmos, preocupados com questiúnculas.

- Não podemos perder para os gays, não é verdade? Se eles reuniram três milhões em sua infame parada, vamos reunir o dobro em nossa marcha pra Jesus.

Grande coisa!

Ah se os crentes soubessem que muitos desses manifestos são apenas demonstrações de poder político!

É por essas e outras que, a cada dia, cresce assustadoramente o número de desigrejados. Uma massa descontente com os rumos tomados pelas igrejas.

Quando sairemos às ruas em favor do oprimido? Quando deixaremos de lado nossa postura arrogante e estenderemos as mãos aos necessitados?

Enquanto mantivermos o dedo em riste, em espírito inquisitório, o mundo nos dará outro dedo.

Quando as igrejas deixarem de ser currais eleitorais, e se tornarem centros de cidadania; quando deixarem de se preocupar com o próprio umbigo, e voltar-se para fora, então a esperança triunfará. O dedo que antes apontava os erros, passará a indicar o caminho.


(Texto extraído do blog de Hermes C. Fernandes)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago me fez enxergar Deus

Faz uns 10 anos que li "Ensaio sobre a cegueira" e assim que Fernando Meireles fez a sua adaptação do livro para o cinema fui correndo assistir. No início deste século, eu estava vivendo uma grande crise de fé e me perguntava "será que Deus realmente existe?".

Estava com 20 anos vividos praticamente todo dentro do gueto da igreja, sem sair, sem me "misturar". E essa "bolha" que imergi me fez pensar se aquilo era apenas seguro e confortável para mim, ou se alguma coisa naquilo tudo fazia sentido. Será que o meu deus era EU MESMO ou existia algo além daquele meu conforto exacerbado?

Então recebi uma vacina. Vacina criada por Jesus Cristo de Nazaré, em que o seu principal componente é o amor e que foi aplicada em mim pelo Espírito Santo de Deus através de pessoas dedicadas ao mestre, que o amavam loucamente e que me fez entender que Deus não é uma religião, mas Deus é AMOR.

E que o Saramago, que faleceu hoje aos 87 anos, ateu de carteirinha, lutador ferrenho contra toda a forma de fé tem a ver com tudo isso?

Bem, nesse interim, tive que ler a obra "Ensaio sobre a cegueira" a pedido de uma professora da faculdade. E a cada página lida, a cada situação deplorável do ser humano, a cada desconstrução de sociedade apresentada no livro eu via a resposta de tudo aquilo no Evangelho e na declaração de que o Reino de Deus é para aqueles que tem fome e sede de justiça.

E para aqueles que são limpos de coração e verão a Deus.

E para aqueles que amam a paz e se esforçam por ela se ligam a Deus, sendo chamados então de Seus filhos.

E para aqueles que são humildes de espírito e que, por isso, já possuem o Reino dos céus.

E para aqueles que choram e, assim, receberão o seu consolo.

E para aqueles que são misericordiósos e que, assim, alcançarão misericórdia.

Enfim, tudo o que aquele grupo que andou na contramão tresloucada dos ensanos cegados conseguiu foi andar conforme Jesus.

E aí eu enxerguei Deus ao ler Saramago. Deus é assim. Usa as coisas loucas desse mundo para confundir as sábias. E, no caso, usou a a coisa dita sábia deste mundo para me apresentar a sua loucura de amor por mim e pelo mundo.